A dificuldade de jogar até contra times pequenos, a saudade dos mimos que recebia em Santos...Tudo isso abriu caminho para a volta ao Brasil
Por Bernardo Itri, Bernardo Pires Domingues e Ricardo Perrone
Uma só partida do Manchester City, a derrota de 2 x 0 para o Everton, no dia 16 de janeiro, reúne praticamente todas as peças do quebra-cabeça que explica a volta de Robinho ao Brasil. Tudo se encaixa: a vaidade e o orgulho ferido, a saudade dos mimos que recebeu desde criança, a dificuldade em brilhar num campeonato recheado de estrelas e o medo de ficar fora da Copa do Mundo da África do Sul.
Naquele jogo, Robinho começou na reserva e entrou ainda no primeiro tempo. O relógio corria, ele não pedalava nem tinha fôlego para cumprir a ordem do técnico Roberto Mancini de ajudar na marcação. Angustiado, sentia que seria substituído. E foi. "Isso nunca tinha me acontecido antes", diz o jogador. Ao mesmo tempo, foi um golpe mortal em sua vaidade e um estalo: era hora de voltar ao Brasil. Simples. Concluiu que na Inglatera não conseguia acompanhar a correria dos rivais para cumprir a exigência de também marcar, nem contra times pequenos. Lá os nanicos têm muito mais pulmão e técnica que aqui. "No Brasil, às vezes, você nem sai suado contra os pequenos", afirma Robinho. Se ficasse por lá, sem aguentar o tranco, seguiria na reserva. Lembrou que Dunga ameaça não convocar quem não joga. E atuar no Brasil, na época dos Estaduais e da Copa do Brasil, é, cá entre nós, uma grande moleza. Perfeito para ficar na ponta dos cascos.
O retorno a Santos, onde, desde garoto, por seu carisma e atrevimento, sempre conseguiu o que queria, cairia como uma luva. "'Ô tio, me paga um guaraná aí?', ele pedia para os homens nos bares. Sempre um pagava", diz Izildo Pereira, técnico de Robinho no Portuários, clube onde o craque começou a jogar futebol de campo.
E, como em sua infância, Robinho fez o que quis. Menos de um mês depois do vexame diante do Everton, ele saía de campo após marcar o gol da vitória sobre o São Paulo - de letra! -, em sua primeira partida na volta ao lar. Foi recebido no vestiário do Santos aos gritos de: "Ô, o Robinho voltou". O coro foi puxado por André, justamente quem saiu para a entrada do atacante no clássico. A cena mede o tamanho da transformação em sua vida desde que iniciou a operação de retorno ao Brasil. Antes do clássico, Robinho enfrentava um clima hostil no Manchester City. Colegas de time olhavam atravessado para o brasileiro. Um membro da comissão técnica chegou a dizer numa conversa informal: "Você vê o Robinho treinando com aquele sorriso e pensa: 'Que cara bacana'. Mas aí você se pergunta: 'Será que ele é um terrorista de vestiário, daquele tipo que sorri na sua frente e te esfaqueia pelas costas?'"
No vestiário do City, a cobrança era forte. O auge da animosidade aconteceu após uma derrota para o Portsmouth, pelo Campeonato Inglês. O atacante Bellamy cobrou o brasileiro por não lhe passar a bola, e os dois discutiram. Alguns jogadores antigos do time achavam que Robinho não se dedicava durante os jogos. Opinião compartilhada por Mark Bowen, ex-assistente técnico que deixou o clube inglês no ano passado, mas que também participou de um processo que culminou com a saída de Robinho. "Fisicamente, ele não estava à altura e disposto a encarar os desafios do futebol inglês", disse Bowen, em uma entrevista.
A avaliação da comissão técnica do Santos sobre Robinho nem parece ser em relação ao mesmo atleta. "O que me impressionou foi sua vontade. Treina junto com os outros e depois faz exercícios extras", diz Celso Rezende, preparador físico do Santos. "Existem atletas que você tem que mandar fazer os exercícios. O Robinho você nem precisa pedir", afirma.
Dorival Júnior escancara ainda mais a diferença entre a maneira como santistas e ingleses veem Robinho: "Qual o melhor esquema tático para ele jogar? É só colocá-lo no time e deixá-lo ir para cima dos adversários", diz Dorival. Contra o Bragantino, no primeiro jogo na Vila depois da volta ao Brasil, Robinho marcou dois gols, sendo um por cobertura. Nada de marcação, como queria Mancini no City.
O italiano, aliás, ficou atravessado na garganta do atacante. Logo após aquela partida contra o Everton, Robinho telefonou para pelo menos um de seus amigos no Brasil e criticou o técnico. Comentou que não teve um tratamento digno de atleta de seleção brasileira. "Conversei com o Mancini, falei que precisava jogar para ir à Copa", afirmou Robinho, que ouviu do técnico que haveria poucas chances de ter uma sequência de partidas. Avisou então ao treinador que procuraria a diretoria.
Antes da conversa derradeira com Mancini, a imprensa inglesa também deu um empurrãozinho em Robinho na direção do Brasil. Apesar de o jogador achar que o técnico errou ao substituí-lo, os críticos ingleses o espinafraram. Disseram que o jogador mais caro do futebol inglês dormia em campo, enquanto Tevez, com um salário menor, era um operário. Comentários que minaram mais ainda a vaidade de Robinho. E vaidoso ele não esconde que é. Nas entrevistas, tenta omitir idade e no dia de sua apresentação no Santos voltou ao microfone depois de encerrada a coletiva para reclamar do boneco feito pelo clube em sua homenagem: "É feio e não parece comigo".
Talvez o maior símbolo dessa vaidade seja a mansão do craque no Guarujá. Pouco depois de comprá-la, mandou quebrar o piso da piscina para colocar um mosaico que forma seu autógrafo. A casa, que custou 3 milhões de reais e é avaliada por amigos do atleta em 6 milhões, simboliza a transformação na vida do craque. Em Manchester, ele precisou sair de onde morava porque os vizinhos reclamavam do barulho. Hoje, no Guarujá, ele não tem que se preocupar com barulho. Quem já frequentou a mansão diz que lá existe uma boate de fazer inveja às melhores baladas de São Paulo - e com isolamento acústico.
Em sua confortável casa, o atacante pode receber amigos de longa data - alguns deles viraram integrantes de seu estafe. E há amizades que preocupam dirigentes do Santos. O temor é que eles o levem para a balada. No início de sua carreira no Peixe, Robinho passou constrangimento por causa de um de seus amigos: Naldinho, preso, acusado de tráfico de drogas. Cartolas que estavam no clube à época contam que tiveram acesso à investigação, que mostrava intimidade entre Robinho e Naldinho, em 2005. Nenhuma acusação foi feita contra o jogador. Ele afirmou conhecer Naldinho, porém negou serem íntimos.
Na Inglaterra, o atacante também passou por uma situação difícil envolvendo a polícia, quando uma jovem o acusou de estupro numa boate. O caso foi encerrado por falta de provas, sem que o brasileiro fosse processado. O único prejuízo foi financeiro. PLACAR apurou que Robinho teve um contrato com a Telefônica da Espanha rescindido por causa do episódio.
LIDERANÇAEngrossa a lista que torna o Brasil mais agradável para Robinho a vontade de voltar a ser líder de uma equipe. "Quando ele chegou ao City, o time não tinha estrelas. Ele era a única. Começou bem, mas depois o time ficou cheio de estrelas, ele pouco jogou, fez só dois gols, enquanto o Tevez marcou mais de 15. É difícil para ele ficar num clube assim", diz Evandro de Souza, ex-segurança do Santos, que hoje trabalha para Robinho. "Ele quis voltar ao Santos porque queria liderar um time. Voltou para liderar a nossa meninada", afirmou Armênio Neto, gerente de marketing do clube.
Por causa da agonia vivida por Robinho em seus últimos dias de City, fica difícil imaginar, mas o brasileiro teve seus dias de rei no clube inglês. Foi mimado por Gary Cook, executivo do City, que deu ao brasileiro até liberdade para indicar reforços, mas, com a saída de Elano e outros brasileiros, aos poucos, ele foi perdendo espaço.
SELEÇÃOO temor de ficar fora da Copa, usado como argumento por Robinho para forçar sua volta ao Brasil, se transformou em confiança. Até o Santos usa sua provável convocação para atrair patrocinadores. "Temos certeza de que ele vai para a Copa. Ele valoriza o espaço na nossa camisa porque temos o homem de confiança do Dunga no nosso time", diz Armênio Neto.
Antes de acertar sua saída do City, Robinho ligou para o técnico da seleção e obteve a confirmação de que sem jogar sua presença na África do Sul estava seriamente ameaçada.
Restou ao Santos tentar dobrar os ingleses. "Eles nos perguntaram: 'Por que vamos emprestar de graça o jogador que foi a contratação mais cara do mundo?'", diz Neto. "Respondemos que, sem jogar, ele não iria à Copa e se desvalorizaria." Neto diz que convenceu os cartolas do City depois de perguntar quem tinha sido eleito o melhor do Mundo em 2006. "Nenhum deles lembrou que foi o Cannavaro. Falei para eles que, em ano de Mundial, quem se destaca acaba sendo eleito."
Robinho, vira e mexe, diz que essa tem tudo para ser a sua Copa. O pior já passou. Agora é esperar e ver como ele vai se sair, em meio à nata do futebol, diante de adversários mais fortes. Cenário mais parecido com o que lhe causou náuseas na Inglaterra do que com o paraíso encontrado em Santos...