quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Bebidas

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As últimas são feitas a partir da destilação de líquidos fermentados, resultando em produtos de teor alcoólico bem mais elevado, como a cachaça e o uísque.
por Marco Aurélio Merguizzo
As bebidas alcoólicas se dividem em duas grandes categorias: as fermentadas e as destiladas. Nas primeiras, em que se incluem o vinho e a cerveja, ocorre um fenômeno semelhante à fermentação do pão – a transformação de carboidratos em álcool e gás carbônico. As últimas são feitas a partir da destilação de líquidos fermentados, resultando em produtos de teor alcoólico bem mais elevado, como a cachaça e o uísque
Como a uva se transforma em vinho?
O vinho, por definição, é o resultado da fermentação de uvas. Ela ocorre quando as cascas de uvas se rompem, permitindo que fungos microscópicos, chamados leveduras, penetrem no fruto. Eles transformam os açúcares da uva (glicose e frutose) em álcool e gás carbônico. Ao mesmo tempo, outras reações bioquímicas vão acontecer, de acordo com os tipos de uva, de levedura e de fermentação. Tal processo só cessa quando o açúcar termina ou quando o álcool atinge uma concentração mortal para as leveduras, cerca de 16%. Os vinhos tintos são feitos de uvas pretas com cascas e talos. Os brancos podem usar uvas brancas ou pretas – neste caso, cascas e talos ficam de fora para não tingir a polpa, que é branca. Os rosés são produzidos a partir de uvas pretas, sem os talos. O sumo é separado das cascas logo que começa a ficar rosado.
Uvas escuras podem produzir vinhos tintos, brancos ou rosés. Nos dois últimos, cascas e talos são descartados em algum estágio da vinificação
Por que a champanhe tem bolhas?
As bolhas dos vinhos espumantes são nada mais que o dióxido de carbono (gás carbônico) resultante da fermentação – ocorre que, nos vinhos comuns, os métodos de produção deixam que esse gás se desprenda da bebida. Para fabricar champanhe, os fabricantes recorrem à fermentação dupla. Na primeira fermentação, se faz o vinho branco normal. Em seguida, adicionam-se açúcar e leveduras do tipo Saccharomyces bayanus ao vinho, que é engarrafado, selado e guardado. Dentro da garrafa ocorre uma segunda fermentação. Como a garrafa está lacrada, o gás carbônico resultante dessa segunda fermentação não tem como escapar. Aí se formam as celebradas bolhas.
A seguir, o espumante descansa por um a três anos. Esse é o chamado método champenoise, que consagrou os produtores da região de Champagne e a partir do qual se obtêm os espumantes melhores e mais caros. Mas há também outras formas de conseguir as tais bolhinhas. No charmat, ou método de tanque, a segunda fermentação ocorre em uma cuba de inox, lacrada para evitar o escape do gás. Desse processo resultam espumantes mais simples e baratos. Há ainda espumantes conseguidos por carbonatação artificial (injeção de CO2), considerados os de pior qualidade. Em todos os processos, porém, as rolhas de cortiça são um item fundamental na conservação do gás carbônico. Impermeáveis e elásticas, elas dificultam a entrada de ar na garrafa, impedindo a fuga das bolhas.
No champanhe, as bolhas resultantes da fermentação são aprisionadas na garrafa
Onde os especialistas encontram tantos aromas numa taça de vinho?
Em uma degustação de vinhos, os participantes descrevem uma grande variedade de aromas – das especiarias, como noz-moscada e canela, ao cheiro de couro, passando por café, manteiga e frutas vermelhas, entre outros cheiros. Isso se deve a um coquetel químico de mais de 500 substâncias encontradas no vinho, entre alcoóis, açúcares e ácidos, que sofrem uma infinidade de combinações, produzindo uma enorme variedade de odores e sabores. Entre as substâncias mais comuns dos vinhos estão a vanilina (que dá à bebida o gosto de baunilha), o linalol (aromas florais), o paraetilfenol (de couro), o metilantranilato de etil, o paravinilfenol e as octolactonas (compostos extraídos pelo vinho dos barris de carvalho que dão odor característico de madeira). Todas essas substâncias são conhecidas pelos químicos e sintetizáveis em laboratório.
Então, por que não adicioná-las em quantidades controladas em vinhos de qualidade inferior (e baratos) para conferir-lhes aromas de bebidas nobres (e muito caras)? O químico e jornalista francês Hervé This realizou experiências do tipo e as descreve no livro Um cientista na cozinha. “Seduzido pelos Bordeaux? Tente o n-octanol e a 2-metoxi-3-isobutilpirazina”, escreve This. Mas, segundo ele, tais experiências resultaram em frustração: em testes de degustação, verificou-se que os vinhos tinham gosto de “produto químico”. Na conclusão do autor, os “produtos oferecidos por honestos viticultores não são imitáveis com essas trucagens simplistas.” E
Por que deve-se beber vinho branco com pratos de peixe?
Porque a combinação de peixe com vinho tinto é, na maioria dos casos, incompatível. Culpa de uma desagradável reação chamada metalização. A explicação é simples: o iodo dos peixes (os de mar, em especial) reage com o tanino (presente em dose maior nos vinhos tintos), resultando em uma substância de sabor acre, metalizado. O tanino é uma substância elementar do vinho. Encontrado principalmente nas cascas, hastes e sementes das uvas, ele é o responsável pela adstringência – aquela sensação de aspereza na boca, semelhante à sentida ao saborear uma fruta verde. Além disso, a força do tanino tende a “matar” a delicadeza do sabor do pescado. Mas há exceções. Alguns peixes, caso do atum e do salmão, ambos de “carne escura” e com menor concentração de iodo, costumam casar bem com tintos de baixa concentração de tanino, como os elaborados com as uvas das variedades Pinot Noir e Merlot.
Outro caso à parte é o bacalhau. Seu preparo exige que o sal seja retirado do peixe seco por meio de sucessivas trocas de água. Isso faz com que a concentração de iodo também diminua bastante. Por isso, também pode ser apreciado com um bom vinho tinho com pouco tanino. Algo que os portugueses, mesmo os que não têm nenhuma noção de química, já sabem há séculos.
Vinho branco é a bebida mais indicada: os tintos, com maior concentração de tanino, produzem um gosto metálico ao reagir com o iodo presente na carne do peixe
Por que alguns vinhos causam dor de cabeça?
Não é necessário se embriagar para sentir na cabeça os efeitos de um vinho vagabundo. Isso acontece por causa de um produto que a indústria utiliza para conservar a bebida: o anidrido sulfuroso, ou dióxido de enxofre. Trata-se de uma substância antioxidante que mata leveduras, fermentos e bactérias indesejáveis e sem a qual o vinho viraria rapidamente vinagre. O anidrido sulfuroso está presente, legal e obrigatoriamente, em todos os vinhos, inclusive nos vinhos orgânicos (elaborados com uvas plantadas sem defensivos agrícolas). Ocorre que alguns produtores exageram na quantidade do aditivo. E um efeito colateral do excesso de anidrido sulfuroso é, justamente, a dor de cabeça.
É possível se embriagar com comidas feitas com álcool?
Não há a mínima possibilidade de embriagar-se, mesmo que alguém se empanturre de comida. Mas a concentração de álcool residual no prato varia de receita para receita, dependendo do método e do tempo de cocção (altas temperaturas, cozimentos longos, panelas largas e destampadas em geral aumentam a evaporação), do teor alcoólico da bebida e dos demais ingredientes. Experiências em laboratório comprovam que o álcool, ao ser misturado à água não evapora por completo aos 78ºC, uma vez que cada um deles afeta a temperatura de fervura do outro. Logo, a mistura de álcool e água ferve numa temperatura que oscila entre 78ºC e 100ºC, terminando aos 100ºC se ela contiver mais água, e pouco acima de 78ºC , caso contenha mais álcool.
No caso dos flambados, há a crendice de que todo o álcool se queima nas chamas. Isso não ocorre porque, quando a concentração de álcool baixa a um determinado nível em uma solução com água, deixa de ser inflamável. Tente atear fogo em um copo de cerveja: nada vai acontecer, mas isso não significa que não haja álcool ali.
Em pratos flambados, apenas o álcool queima nas chamas
Como é feita a cerveja sem álcool?
A Cerveja sem álcool é algo que só existe nos rótulos porque a legislação brasileira permite que quantidades irrisórias de álcool sejam qualificadas como nulas. A cerveja é resultante de uma fermentação alcoólica, não podendo desse modo, por definição, existir sem álcool. Se retirarmos dela essa característica por centrifugação, osmose reversa ou outro método qualquer, teremos um outro líquido, potável, mas que não pode ser chamado de cerveja. No Brasil, é chamada cerveja sem álcool aquela que, segundo a nossa lei, “contém menos de 0,5% de peso de álcool em relação ao peso total (massa) do produto analisado”. Logo, é uma cerveja de baixíssimo teor alcoólico – uma pilsen, por exemplo, possui entre 3% e 3,5% de álcool. Para elaborar tal cerveja, são utilizadas várias técnicas de controle de produção.
A mais conhecida delas é o método de interrupção do processo fermentativo, feita pelo controle de temperatura, pressão e tempo de contato dos levedos com o mosto (a cerveja não-fermentada) para diminuir a produção de alcoóis. Tal processo, porém, permite que outros componentes, como aldeídos, ésteres e gás carbônico, que são fundamentais na composição da cerveja, sejam normalmente produzidos e preservados. O resultado final, no entanto, apontam alguns críticos desse método de produção, nem sempre reproduz, infelizmente, o sabor natural das loirinhas.
O que ocorre com a bebida dentro dos barris?
Enquanto repousa nos tonéis de madeira, a bebida passa por uma série de diversos fenômenos físico-químicos. O principal é a ocorrência simultânea da microoxidação (feita graças aos minúsculos poros da estrutura da madeira), das transferências de substâncias da madeira para a bebida e das reações entre substâncias que se encontraram devido a essas transferências. Em uma bebida envelhecida, estão presentes produtos que atendem por nomes estranhos: eugenol (tem aroma de cravo-da-índia), vanilina (de baunilha), octolactonas e compostos de lignina, responsáveis pelo sabor abaunilhado característico da madeira. Trata-se de um processo muito lento, por isso o tempo é fundamental – e, por isso, uísques envelhecidos por pelo menos 12 anos são mais apreciados que seus primos mais jovens.
Por que a cerveja congela na mão do garçom?
A cerveja, composta basicamente de água – 95% do seu peso total – tem uma temperatura de congelamento que gira em torno de –2OC. Mas um fenômeno chamado superfusão permite que ela permaneça líquida mesmo um pouco abaixo dessa temperatura, desde que fique quietinha no seu canto. A mão que tira a garrafa da geladeira destrói esse equilíbrio frágil. Resultado: a água forma cristais de gelo e a cerveja vira raspadinha. Vale lembrar que tal fenômeno não tem nenhuma relação com o choque térmico gerado pela temperatura ambiente ou pelo calor da mão do garçom. Uma última dica: apesar de ser refrescante, a cerveja estupidamente gelada perde muitos de seus aromas, pois o frio amortece a língua e inibe a liberação de compostos voláteis. O ideal é bebê-la entre 5OC e 9Oc.
O movimento pode transformar uma cerveja muito gelada em raspadinha