Caso o homem não tivesse a capacidade de sonhar, você não estaria lendo esta matéria, pois provavelmente ainda estaríamos na Pré-História – na melhor das hipóteses. O sonho, que surgiu há mais ou menos 140 milhões de anos, quando os mamíferos se desenvolveram a partir dos répteis, é importantíssimo no processo de aprendizado.
Segundo as suspeitas de alguns cientistas, a atividade mental noturna é também crucial para a preservação da espécie. “Sem sonhar, nossa capacidade intelectual ficaria comprometida”, afirma o neurocientista brasileiro Sidarta Ribeiro, da Universidade Duke, nos EUA. E o ser humano, esse animal tão frágil diante das ameaças da natureza, não poderia tirar tanto proveito de sua arma mais poderosa – o cérebro. O cenário não seria animador: a ciência evoluiria muito lentamente, viveríamos com medo de tudo e seríamos dominados por outros bichos sonhadores.
Isso tudo aconteceria se a nossa espécie como um todo não pudesse sonhar. Mas o fato é que algumas pessoas realmente não sonham. Elas sofrem de uma doença raríssima, a síndrome de Charcot-Wilbrand, que geralmente surge após um acidente vascular cerebral e costuma vir acompanhada de problemas visuais. Além disso, alguns medicamentos, como os antidepressivos, podem reduzir, principalmente no início do tratamento, a duração da fase REM, que é o estágio do sono no qual ocorrem quase todos os sonhos. No primeiro caso, os resultados podem ser devastadores: amnésia, agressividade e ansiedade são alguns sintomas prováveis. No segundo, os próprios remédios ajudam a controlar os sintomas da falta de sonhos.
Saiba Mais:
Um mundo sem sentido
A confusão mental é a conseqüência mais branda que teríamos de encarar no caos de uma vida sem sonhos
Nobel sem dono
Nós perderíamos a capacidade de resolver problemas . Algumas pesquisas recentes relacionam o sonho aos insights, que são aquelas sacadas geniais que mudam o mundo, como a invenção da roda. O químico alemão Kekulé, apontado como um dos descobridores do benzeno – molécula em forma de anel com 6 átomos de carbono – disse que a descoberta surgiu de um sonho em que viu uma serpente mordendo o próprio rabo.
Você tem medo do quê?
O psicólogo Antti Revonsuo, da Universidade de Turku, na Finlândia, afirma que o sonho serve para simular ameaças reais. Um homem das cavernas, ao sonhar com um predador, teria mais chances de se defender do bicho. Sem sonhos, ficaríamos vulneráveis e teríamos medo de tudo, sem discernimento – tanto faz se a ameaça é um mamute ou uma formiga.
Animais no poder
O homem se firmou como espécie dominante graças às suas habilidades intelectuais. Sem o sonho, o aprendizado ficaria comprometido. Não aprenderíamos a escrever, não teríamos capacidade para desenvolver a agricultura, para inventar o dinheiro, para fabricar armas atômicas... seríamos, enfim, uma espécie sem grandes talentos. E algum outro bicho que sonha – mamíferos e aves – poderia ocupar o nosso trono na natureza.
Mortos pela própria burrice
Na contramão da teoria defendida pelo finlandês Antti, há a tese de que perderíamos o medo. A razão, de novo, é a falta de discernimento. Devido ao fato de não sonhar, não conseguiríamos avaliar direito os perigos envolvidos em nossas decisões. Assim, faríamos coisas muito idiotas que poriam nossa vida em risco o tempo todo – como pular da janela de um prédio atrás de uma nota levada pelo vento.
Assassinos por natureza
Seríamos mais ansiosos, violentos e surtados. Isso porque o sonho serve para solucionar parte dos problemas que não resolvemos no dia-a-dia, como o tiro que temos vontade de dar no cara que faz bobagem no trânsito. Sem essa válvula de escape, ficaríamos inclinados a resolver todos os nossos conflitos e desavenças durante o dia. E as pessoas se matariam – ainda mais – umas às outras.
Confusão mental
Sonhos transformam memórias de curto prazo – o conteúdo de uma aula, por exemplo – em memórias de longo prazo, que podem ser recuperadas no futuro. Sem sonhar, seríamos incapazes de organizar as informações que entram na nossa cabeça. Viveríamos o tempo todo em um estado de sobrecarga mental, sem assimilar nada, como se estivéssemos o tempo todo numa rua de Salvador, no Carnaval, ouvindo 10 trios elétricos ao mesmo tempo.